30/09/2015

The long way home: Roger Hodgson em Berlim


A primeira vez que subi num palco pra cantar foi em 1992, quando meu tio Leca tocava saxofone numa banda cover de Supertramp.

Eu tinha sete anos e era supertrampmaníaco havia meses, desde que assistira a um show da Companhia Supertramp no aniversário de um amigo do meu pai. Em pouco tempo já havia decorado uma porção de letras dos discos que tínhamos em casa, lendo os encartes e tentando associar a grafia estranha daquele idioma aos sons que saíam dos LPs. Lembro de achar que o "AM" do rádio era a mesma palavra contida em "The Logical Song", no verso "Please tell me who I am". Toda vez que Roger Hodgson cantava "Who I aaaam? Who I aaaam?", eu apertava o "AM" do rádio, numa cândida tentativa de interagir com a canção.

Meses depois, a Companhia Supertramp estava no palco de algum bar em BH e eu lá com meus pais, curtindo o show e tendo provavelmente minha primeira experiência num boteco. A essa altura, os caras da banda sabiam que o saxofonista tinha um sobrinho pirralho que memorizara boa parte do repertório. Lá pelas tantas, acharam divertido me chamar ao palco e eu fui, muito mais desinibido do que nos primeiros shows da minha banda ABUNN dez anos depois. Marcos Temponi, vocalista e baixista, cochichou-me as coordenadas:

- Você espera a introdução, eu conto até quatro e você começa. Vamos lá, um, dois…

Eu ignorei as instruções rítmicas e comecei a cantar na hora que quis — provavelmente no tempo certo, já que conhecia aquelas músicas como se fossem "Atirei o Pau no Gato". Mas fico imaginando o sotaque com o qual não devo ter cantado "The Logical Song":

- Uen auas iangue, itsims dê láifuassou uânderfou…

Vinte e três anos se passaram desde então, mas nunca deixei de curtir Supertramp. Crime of the Century, Breakfast in America e Even in the Quietest Moments permanecem entre alguns dos meus discos favoritos dos anos 70, vira e mexe toco "Give a Little Bit" no violão por aí e dia desses até comprei o DVD do Supertramp Paris, icônico show gravado em 1979 ao qual ouvi por muitos anos numa fitinha dupla presenteada por meu tio Kiko no meu aniversário de oito anos — ele até mesmo redesenhou a capa do álbum com lápis de cor na caixinha do cassete.


Foi um barato assistir ao DVD, não só porque as músicas são foda, mas por raramente ter visto material visual do Supertramp nesses anos todos em que sou fã da banda. Dar caras às vozes, sabe cumé? Ver Roger Hodgson caprichando nos agudos, Rick Davies se esmerando no piano e nas caretas, John Helliwell saxofonando, palhaçando e comandando o falatório entre-canções. Deu uma baita vontade de ver esses caras ao vivo, juntos, com a química que tinham nessa gloriosa fase áurea dos anos setenta.

O que não vai acontecer. Roger Hodgson, voz e mente por trás de alguns dos maiores hits supertrâmpicos ("The Logical Song", "Dreamer", "Breakfast in America", "Give a Little Bit"), se mandou do grupo em 1983. Rick Davies — igualmente talentoso e criador de "Rudy", "Crime of the Century", "Bloody Well Right", "Asylum" e outras pérolas — continuou liderando o resto da patota e está aí até hoje, gravando e fazendo turnês de vez em quando, ainda carregando a marca Supertramp. Mas assim como Mutantes sem Rita, Barão Vermelho sem Cazuza, Raimundos sem Rodolfo e Bucheca sem Claudinho, o Supertramp não é a mesma coisa sem Roger Hodgson.

Hodgson também permanece por aí, rodando o mundo com as canções que o consagraram há tantos anos, e embora vê-lo num show solo também não equivala (palavra estranha) à improvável experiência de ver um dia o Supertramp original ao vivo, não titubeei quando soube que ele vinha a Berlim e comprei o ingresso no ato — assim como, anos atrás, tampouco hesitei em ver os Mutantes duas vezes, mesmo sem Rita, e certamente assistiria a Rick Davies com o Supertramp atual (eles também viriam à Europa agora no segundo semestre, mas infelizmente tiveram que cancelar a turnê enquanto Davies se recupera de um câncer).

O cenário: Tempodrom, uma casa de shows no centro de Berlim que, ano passado, recebeu o grande Steven Demetre Georgiou — conhecido hoje em dia como Yusuf Islam, e bem mais famoso sob "Cat Stevens" — em seu retorno triunfal às turnês mundiais. E assim como na apresentação de Cat Stevens, eu, que já não tenho mais sete anos de idade, era provavelmente o mais novo na plateia inteira.

Roger começou o show no piano, mandando a emocionante "Take the Long Way Home", que abria o lado B do Breakfast in America e por algum motivo me lembra um ponto de ônibus de uma rua do bairro Jardim América em BH. Logo em seguida emendou com "School", uma de suas poucas composições conjuntas com o parceiro de banda Rick Davies. A banda que o acompanhava, como é de praxe nesse tipo de show, reproduzia impecavelmente todos os backing vocals, solos de guitarra e modulações gaitísticas das canções originais. Destaque para Aaron MacDonald, o multi-instrumentista que toca saxofone e teclado e faz as vezes de John Helliwell, com dancinhas e tudo.

Desde o início, fica claro que a voz de Hodgson continua ótima. Ainda mais se tratando das melodias que ele compôs, todas cheias de notas altas. Experimente cantar "Dreeeeeeamer" pra ver se é fácil — e olha que o cara tem 65 anos de idade. Pense no Robert Plant, que aos 67 praticamente "regula" (como diria minha avó) com Roger Hodgson e precisa cantar as músicas do Led uma oitava abaixo.

As composições de Hodgson sempre tiveram uma pegada mais folk, mais pop, enquanto Rick Davies tendia mais para o progressivo e o jazz, com solos trabalhados e estruturas pouco convencionais. Muitos dos hits escritos por Hodgson que eu adorava quando criança — "It's Raining Again", "Breakfast in America" — me soam hoje meio bobinhas, e eu não estou sozinho nessa: o próprio Roger contou no show que escreveu essa última em 1 hora quando era adolescente, e não tem lá muita certeza do que queria dizer com a letra. A plateia do Tempodrom, no entanto, cantou e vibrou com todas essas. As boas canções solo de Hodgson, como "Death and the Zoo", também tiveram boa recepção, mas — nenhuma surpresa — sem a intensidade dos sucessos do Supertramp.


Entre as minhas preferidas estiveram "Don't Leave Me Now" (que tem um título irônico, considerando que é a última canção do último álbum com Roger no Supertramp) e "Fool's Overture", uma longa e elaborada música com várias partes, 10 minutos de duração e um show de luzes ao qual a foto acima, tirada no escuro com o celular, definitivamente não faz jus. Hodgson pode ter escrito coisas simples como "It's Raining Again", mas quando queria, sabia ousar na estrutura e experimentar novas possibilidades. "Fool's Overture" foi a última música antes do bis e terminou o set principal num final teatral e apoteótico.

Todo show desse tipo acaba num inevitável "Foi ótimo, mas faltou…". O show de Roger Hodgson foi ótimo, mas faltaram "Even in the Quietest Moments" e "Hide in Your Shell". Não dá pra se ter tudo.

Mas teve no bis: 


Now's the time that we need to share
So find yourself, we're on our way back home

Oh, going home
Don't you need, don't you need to feel at home?


Ver "Give a Little Bit" ao vivo, na própria voz que já ouvi tantas vezes desde que tinha sete anos de idade, é como estar em casa.

Setlist: 

1. Take the Long Way Home
2. School
3. In Jeopardy
4. Lovers in the Wind
5. Breakfast in America
6. Along Came Mary
7. The Logical Song
8. Lord Is It Mine
9. Had a Dream
10. The Meaning
11. Death and a Zoo
12. Only Because of You
13. Child of Vision
14. The Awakening
15. Don't Leave Me Now
16. Dreamer
17. Fool's Overture
18. Give a Little Bit
19. It's Raining Again

28/09/2015

O retorno do Biselho


Por essa você não esperava: o Biselho ressurgiu das cinzas. 

Lá se vão mil e dois dias desde que postei algo aqui pela última vez  um recorde até mesmo para os padrões desleixados da história deste blog. 

Alguns meses depois, em julho de 2013, escrevi o post derradeiro do Boca de Gafanhoto, um blog sobre a China que mantive durante os quatro anos em que morei em Beijing. De malas prontas para minha segunda mudança de país, encerrei o texto com uma semipromessa: "Não fiquei na China pra sempre, mas ainda não é hora de retornar ao Brasil: minhas aventuras se voltam agora para o Velho Mundo. Ganharão textos, fotos, vídeos? Não planejei nada, mas se eu fosse você, daria uma olhada no Biselho de vez em quando."

Se você seguiu o conselho e se decepcionou com a constante falta de novidades, esperando anos a fio por um novo post bom, provavelmente é o único. As estatísticas do Blogger deixam claras que a imensa maioria dos acessos atualmente vem de usuários pesquisando no Google por termos avulsos como "nomes arcaicos" e "menino luxento". Há um número grande de visitas da Rússia e da Ucrânia, e praticamente todas apontam para o clipe de "Opesdol", uma música da minha banda ABUNN cujo título é um vocábulo russo de baixo calão.

Caso você não faça parte do seleto grupo de oito pessoas que acompanhava o Biselho nos seus tempos áureos, cabe aqui uma breve retrospectiva. Criei este blog aos dezenove anos, no saudoso ano de 2004. Foram cinco anos de atividade constante, com períodos de explosão produtiva em que eu chegava a publicar um post todo dia, a épocas de vacas magras em que o blog criava bolor durante meses.

Em 2009, fui pra China e criei um novo blog dedicado especialmente à minha temporada asiática. A intenção era ficar seis meses, mas acabei morando lá por quatro anos  e enquanto o Boca de Gafanhoto ganhou um porrilhão de textos, fotos, vídeos e podcasts, o Biselho mal recebeu atualizações. A exceção foi uma série de 47 posts com comentários sobre cada um dos 235 filmes a que assisti em 2012. Depois disso, necas.


A verdade é que já faz um tempo que meus esforços não remunerados estão voltados à área audiovisual, de ficções sobre stalkers e gente presa no banheiro a documentários com nonagenárias simpáticas, passando por animações em stop-motion com rolhas de vinho. Até para o Cinema de Buteco, do qual participo desde sua fundação em 2008, passei os últimos anos muito mais focado no podcast do que nos textos.

Mas sinto falta de escrever. E não queria criar um novo blog "temático" como foi o Boca de Gafanhoto, falando apenas sobre minha vida na Alemanha. Estes dias fiquei olhando o Biselho, navegando pelos posts antigos e relendo coisas que escrevi há dez, onze anos  e me peguei pensando em retomar o blog depois de tanto tempo parado.

Aproveitei pra dar uma repaginada no visual. A versão anterior era tão antiga que ainda tinha link para o meu perfil do Orkut. Passei umas boas horas mexendo no código, fuçando os CSSs da vida e transformando este template no que você vê agora, com o azul-e-preto que já uso desde os idos de 2005. O blog também ganhou um menu de categorias no topo e de quebra tem um design responsivo que se adapta aos espertofones  perfeito pra compartilhar com a rapaziada no Zap Zap.

Ainda não descobri um jeito de voltar com os comentários antigos que o Biselho colecionou durante esses anos todos. Eles não eram hospedados diretamente no Blogger, mas numa plataforma de terceiros chamada Haloscan  que, como o Orkut, o Geocities, o Cadê, o HpG e tantas outras esferas virtuais, deixou de existir faz tempo. Estão backupeados em um arquivo XML que teoricamente deveria ser fácil de importar, mas minhas primeiras tentativas fracassaram por razões de teimosia do Blogger e/ou inabilidade técnica.

Tirando isso e um tanto de imagens quebradas  principalmente nos posts mais antigos, quando o Blogger tampouco oferecia a hospedagem de imagens e eu usava links para sites variados, muitos dos quais também já foram pras cucuias –, o arquivo completo do Biselho desde 2004 continua aí online, para escrutínio dos internautas.

Revisitei até mesmo a extinta Rádio Biselho, que trazia um punhado de canções selecionadas que eram trocadas de tempos em tempos e apareciam numa playlist incorporada à barra lateral do blog. Fazê-la era uma trabalheira: eu precisava converter as MP3 para um formato diferente, subir tudo num site externo e editar o código manualmente com o nome dos arquivos. Hoje em dia você monta uma playlist em dois cliques e cola onde estiver a fim. Reuni a maioria das canções que fizeram parte da Rádio Biselho, mas ficaram de fora algumas versões ao vivo e raridades, além de músicas de amigos e do ABUNN, minha banda (se nós e os Beatles temos algo em comum, é o fato de ambos não estarmos no Spotify).


E qual será a frequência dos posts do Biselho nesta inesperada nova fase?

Eu é que sei lá. Foi-se o tempo em que a gente chegava da faculdade ao meio-dia e tinha a tarde toda para ver Seinfeld, escrever um post ou dois pro blog, sair pra ensaiar com a banda e ainda assistir a um filme alugado por 1 real na locadora da esquina (foi-se o tempo, inclusive, em que existiam locadoras da esquina). Melhor não prometer nada, a não ser que não se passarão outros mil e tantos dias até o próximo post brotar. Vêm por aí textos sobre um campeonato de descascamento de camarões, blues tocado com vassoura e pá, minhas aventuras como figurante em Hollywood e outros temas de igual magnitude – quem sabe até os lipogramas sem as letras O e U, pra completar a pentalogia iniciada há mais de uma década.

Leitores véios de guerra, biselhantes de primeira viagem ou desavisados caindo aqui após uma busca incauta no Google, não importa – sejam bem-vindos, cambada.

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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