26/11/2010

Brincadeira de adulto: um papo com Sam Voutas, diretor de Revolução da Luz Vermelha

Pra você ver como são as coisas. Há alguns meses, recebi uma ligação do Sam, um australiano que também deu aulas de inglês na escola onde trabalhei. Ele tinha feito um filme chamado Red Light Revolution , queria inscrevê-lo num festival brasileiro e precisava traduzir o título. “Deve ser um curta de teor histórico”, imaginei, e respondi que devia ser “Revolução da Luz Vermelha”. Meses depois, estava dando uma olhada na programação da 34a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo quando o nome do longa-metragem Revolução da Luz Vermelha me pareceu bem familiar. Estava lá: dirigido por Sam Voutas, o filme é a primeira comédia chinesa sobre sex shops. Perdi a chance de batizá-lo de “Uma Sex Shop Muito Louca”.

Esta semana me encontrei com o Sam pra saber mais sobre esse filme. Não é todo dia que se vê um estrangeiro fazendo cinema na China, ainda mais com um tema desses. Acabei descobrindo que a relação do Sam com o país vem de criança. Ele morou aqui por dois anos na década de 80, mais um tanto nos anos 90, até que voltou em 2004 e se estabeleceu de vez em Beijing. Foi vendo a transformação radical pela qual a cidade passou nessas três décadas que ele teve a idéia de usar as lojas de “brinquedos adultos” como pano de fundo para um roteiro.

   
Os três atores principais: Zhao Jun, Vivid Wang e a boneca Candy. 

A quantidade de sex shops espalhadas por Beijing também já me chamou a atenção. Para quem imagina uma China conservadora e recatada, ver uma lojinha dessas em cada esquina é uma grande surpresa. São duas mil só na capital. A China também fabrica 70% dos brinquedos sexuais vendidos no mundo, e existe até uma feira de produtos do tipo com um nome genial: Shanghai Sexpo. 

O roteiro de Sam, sobre um chinês desempregado que decide apostar as fichas no mercado erótico, foi indicado a Melhor Roteiro Inédito no prêmio australiano Inside Film Awards. Foi aí que ele e a produtora (que convenientemente também é sua namorada) decidiram tirar o Red Light Revolution do papel. A maior parte da grana saiu de seus próprios bolsos – Sam já atuou em vários filmes chineses e é adepto da Escola John Cassavetes de investir o salário de ator nas próprias produções. Melhor do que seguir a Escola Robert Rodriguez e fazer dinheiro submetendo o corpo a exames médicos suspeitos. 

Ainda assim, o filme não teria sido feito não fosse o patrocínio de uma fabricante de produtos eróticos. Eles cederam à produção uma quantidade imensa de “brinquedinhos”, de artigos sadomasoquistas a membros de borracha. Também doaram um estoque considerável de bonecas infláveis, incluindo várias baseadas em atrizes pornôs famosas e até uma sereia (!). Parece que existe um boneco inflável do Obama (!!) sendo vendido por aí, mas não conseguiram um desses para o filme. 

 
Pau-pra-toda-obra. 

Foram 27 dias de filmagem em Beijing, com uma equipe e elenco 90% chineses. Como Sam mora aqui há bastante tempo, a comunicação não foi difícil. Problema mesmo era o clima. No último dia de gravação, que seria uma cena externa, veio a neve e avacalhou tudo. Não dá nem pra dizer que foi culpa de São Pedro: tratava-se da neve de 31 de outubro de 2009 , provocada pelo próprio governo chinês. Duas semanas esperando a neve nas ruas derreter, reuniram o elenco, montaram todo o equipamento... e nevou de novo. Fica a lição: melhor deixar as externas para o verão. 

Seis meses de edição depois, Red Light Revolution estava pronto. Mas e aí? O que se faz com um filme pronto na China? Exibir nos cinemas normais, sem chance. Se já é quase impossível no Brasil, com todas as picuinhas de distribuição, na China é preciso passar pelo crivo do governo. Teoricamente, todos os filmes exibidos nos cinemas chineses devem ter classificação livre – e não acho que verão com bons olhos uma comédia que tem membros de borracha balançando pra cá e pra lá o tempo todo. A saída é tentar os festivais de cinema independente, que é o que o Sam vem fazendo. 

O primeiro festival que selecionou Red Light Revolution , vejam só, foi a Mostra de São Paulo. Sam zarpou com a namorada para o Brasil e passou três semanas entre passeios, caipirinhas e sessões de seu filme. Foram 4 exibições, duas delas com bilheteria esgotada e, ao que parece, boa recepção do público, mesmo com todas as diferenças culturais de uma comédia chinesa falada em mandarim. 


O diretor e a produtora na Mostra São Paulo. 

E aí resta a pergunta: que fim levaram todos os objetos doados para a produção? Bom, grande parte foi distribuída entre a equipe e o elenco, inclusive os atores da terceira idade. Mesmo assim, a casa do Sam continua abarrotada de brinquedinhos que o papa não aprovaria. Se você quiser, siga o Red Light Revolution no MySpace ou no Twitter e peça pro Sam. 


Trailer (legendado em português): 



Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

24/11/2010

Churrasquinho coreano

Enquanto a tensão entre as duas Coréias volta aos noticiários e preocupa o mundo, aproveite para conhecer uma especialidade da gastronomia da península: o churrasco coreano.

Só em Beijing moram dezenas de milhares de sul-coreanos, que costumam se aglomerar nas mesmas regiões e criar suas próprias "Koreatowns" em plena capital da China. Assim, é muito fácil encontrar estabelecimentos coreanos por aqui - a própria escola onde estudo mandarim atualmente tem donos coreanos. Restaurantes, claro, também existem aos montes.

Ao contrário das churrascarias rodízio que temos no Brasil, com o garçom trazendo e fatiando a carne pronta no seu prato, o churrasco coreano utiliza a mão-de-obra da clientela. Os próprios comensais se encarregam de cortar e grelhar a carne que comem, numa experiência meio fonduesca (ou hotpotiana). Confira como se prepara um churrasquinho à maneira coreana:

Eles começam servindo os acompanhamentos. Cebola, nabo, kimchi (prato de vegetais levemente picante, tipicamente coreano), molhinhos diversos e salada de folhas fazem parte do pacote. 

  

Parece uma pia com torneira, mas é um bojo com exaustor em cima. Todas as mesas têm um desses no centro.

 
 

Dentro do bojo, coloca-se um balde de ferro com brasa ardendo quá fogueira de São João... 


 

...e uma grelha por cima. 


 

Há carnes de boi, porco e outros bichos (mas não vi cachorro no cardápio). Algumas já vêm picadas, outras você mesmo precisa cortar, a tesouradas. 


 

Coloque os pedaços sobre a grelha e deixe o calor fazer o serviço. Também dá pra sapecar umas batatas e outros legumes. 


 

Para degustar o churrasco, pegue uma folhona de alface e o molhinho de sua preferência... 


  

...faça uma trouxinha com a alface, e mande pra dentro. 


 

Churrasco sem bebida não é churrasco, e os coreanos sabem disso. A garrafa verde da foto traz um líquido esbranquiçado chamadomakkoli , um vinho de arroz com sabor adocicado e 6,5-7% de álcool. A bebida transparente no copinho é a soju , um destilado que lembra vodca mas tem graduação alcóolica menor (20%). 


 

Melhor ainda é a propaganda da Bek Se Ju , uma bebida fermentada também conhecida como "vinho de cem anos". O anúncio no cardápio traz o desenho abaixo... 


 

...e uma "parábola" explicando: 

A Lenda de Bek Se Ju 

Certa vez, um nobre cavalgava por um vilarejo, quando testemunhou uma cena incomum. Um jovem surrava um homem velho que parecia ser seu pai! 
O nobre parou seu cavalo para xingar o jovem. 
"Por que você está batendo em um velho tão frágil?" 
O jovem virou-se e disse: "Na verdade, este é meu filho, que nasceu quando eu tinha 80 anos. Por várias vezes mandei que ele bebesse Bek Se Ju para não envelhecer. Mas ele nunca me ouviu, por isso agora parece muito mais velho do que eu." 
O nobre ficou bastante surpreso e imediatamente mostrou seu respeito ao homem que parecia jovem. Então perguntou o que era Bek Se Ju. E o sujeito explicou: 
"Bek Se Ju é um vinho de arroz cultivado junto com 12 tipos de ervas orientais diferentes, incluindo ginseng coreano e gengibre. Quem bebe Bek Se Ju se mantém jovem e saudável". 


Já pensou um anúncio assim passando na TV? 

22/11/2010

7 esportes que você só vê nos Jogos Asiáticos

Assim como temos o Pan, nossa mini-olimpíada continental, a Ásia também reúne seus atletas a cada quatro anos para os Jogos Asiáticos . A edição 2010 começou no último 12 de novembro em Guangzhou (ou Cantão), no sul da China, e se estende até o próximo sábado, dia 27. São quase 10 mil atletas participantes vindos de 45 países diferentes, do Afeganistão ao Vietnã.

Os esportes também não são poucos: além de todos aqueles que a gente conhece, também valem medalhas as competições de críquete, softbol, rugby e até bilhar e xadrez. Neste post, conheça alguns esportes que você não vê no Pan, nos Jogos Olímpicos e nem nas Olimpíadas do Faustão:

 
1. Barco dragão 


Se os barquinhos do rio São Francisco exibem carrancas em suas proas, os chineses têm seu barco com cabeça de dragão. As origens da embarcação vêm lá do século III antes de Cristo, e na China existe até um feriado chamado “Festival do Barco Dragão”. 

Numa competição da modalidade hoje em dia, cada barco é movido por 20 remadores, que seguem o ritmo ditado por um percussionista batucando alucinadamente. As imagens no vídeo não estavam em fast-forward: a velocidade é aquela mesmo. Só faltou cuspirem fogo. 

 
2. Sepaktakraw 

É uma mistura de futevôlei com artes marciais. São três de cada lado, uma rede no meio e uma bola de bambu trançado chamada takraw (daí o bizarro nome do esporte). Como no futevôlei, só não é permitido usar as mãos, mas aqui as acrobacias para acertar a bola no chão adversário são dignas de O Tigre e o Dragão . Bicicletas, voadoras e movimentos do tipo são corriqueiros e tornam o sepaktakraw bem divertido de assistir. 

Maior campeão nos Jogos Asiáticos: Tailândia (14 ouros), seguido por Malásia (3 ouros) e Vietnã (2 ouros). 

 
3. Kabaddi 

A primeira impressão é de que estão fazendo a dança do siri. Mas embora os movimentos pareçam engraçados, o kabaddi é um jogo de combate. Cada time tem 7 membros e o desafio é encostar em um integrante do time rival sem que ninguém encoste em você. Uma espécie de pic-pega profissional. 

A exagerada definição da Wikipedia diz: “ Muitos mestres de kabaddi, usando seu quase miraculoso controle corporal, conseguem esticar seus membros para atingir oponentes que estão do outro lado da sala ”. Parece familiar? Sim, o Dhalsim de Street Fighter era um mestre do kabaddi! 

Maior campeão nos Jogos Asiáticos: Índia (5 ouros), seguida bem de longe por Bangladesh (3 pratas) e Paquistão (2 pratas). 

 
4. Go 

Aí você pergunta: o que é que um jogo de tabuleiro está fazendo numa competição esportiva? Bom, os orientais tratam esses jogos como “esportes mentais”. É a chance para que até o maior sedentário possa se considerar atleta e levar medalha pra casa. 

O Go – ou weiqi , em chinês – é um jogo estratégio e seus praticantes se alternam posicionando, uma a uma, pecinhas brancas e pretas. Ganha quem tiver a maior área do tabuleiro sob seu domínio. 

 
5. Dança esportiva 

Chacoalhar o esqueleto em frente a um júri não é exclusividade da Dança dos Famosos do Faustão. A dança esportiva não tem muito segredo: é dança mesmo, com música tocando e casal bailando, julgados por ritmo, movimento, interpretação e outros quesitos. 

Embora tenha derivado da dança de salão, a competição não se resume a um estilo só: tem tango, valsa, foxtrot, chá-chá-chá e até samba. Chineses, filipinos, tailandeses e vietnamitas caindo no samba? Só mesmo nos Jogos Asiáticos. 

 
6. Xadrez chinês 

Mais um jogo de tabuleiro. Tanto o xadrez ocidental quanto o xadrez chinês fazem sua estréia nos Jogos Asiáticos 2010. O esquema é bem parecido com o xadrez que todos conhecemos: 16 peças de cada lado, cada uma com um movimento particular. Ao invés de reis, bispos e torres, temos generais, guardas, carros, canhões e peças com nomes diferentes para cada jogador, como soldado/bandido e ministro/elefante (!). O objetivo é capturar o general rival ou deixar o adversário sem jogadas possíveis. 

 
7. Wushu 

Literalmente, wushu significa “artes marciais”. O nome abrange várias modalidades, algumas de exibição, outras de confronto direto. Certos estilos incluem até espadas, mas elas são molengas e feitas de plástico, e não metem o medo que deveriam. De qualquer forma, é um barato acompanhar as piruetas mirabolantes de atletas extravasando a raiva e voando pelos ares como quem executa um tchep-tchep-tchugen. 

Maior campeão nos Jogos Asiáticos: China (34 ouros), seguida bem de longe por Tailândia e Malásia (2 ouros cada). 

19/11/2010

O palácio que não é palácio, o lago que não é lago e o barco que não é barco: uma tarde no Palácio de Verão

 

A melhor época para visitar o Palácio de Verão é na primavera. O verão de Beijing é de fritar a pele e a cuca, e instalar lá dentro um ar-condicionado está fora de cogitação: assim como a Cidade Proibida não é uma cidade, o Palácio de Verão não é bem um palácio. Seu nome em chinês, Yíhé Yuán, significa literalmente “Jardins da Harmonia Cultivada”. Na prática, é um imenso complexo de 2,9 quilômetros quadrados, repleto de pavilhões, corredores, templos, pontes, jardins, montes e água, muita água. A proporção de terra e água é que nem o nosso planetinha azul: são três quartos de H2O. 

O lago Kunming, que torna a água tão predominante no Palácio de Verão, é inteiramente artificial, mas já faz tanto tempo que dá pra considerá-lo natural. A terra escavada foi usada para erguer o Monte da Longevidade, que tem 60 metros de altura e um porção de templozinhos incrustados no topo. No início dos anos 1990, fizeram a primeira limpeza no lago, depois de dois séculos e meio de porcaria acumulada. Encontraram até 200 bombas da época da Guerra Sino-Japonesa (1937-1945). Hoje em dia, dá pra singrar o Kunming de barquinho, ou até patinar sobre suas águas congeladas, no inverno. 

 

Construído inicialmente como jardim imperial em 1750, o Palácio de Verão foi feito em pedacinhos pelas forças anglo-francesas em 1860, que tocaram o terror em Beijing e só deixaram de pé a Cidade Proibida e olhe lá. Reerguido em 1888, servia de refúgio para a nobreza chinesa durante os escaldantes verões pequineses até o fim do Império. Hoje é Patrimônio da Humanidade e um dos pontos mais visitados da capital chinesa. 

O Yíhé Yuán é bom tanto para os turistas ávidos por tirar umas fotos bacanudas, quanto para os visitantes sem compromisso. À esquerda da entrada principal dá pra caminhar à toa, observar a paisagem e ficar perdido na matinha. À direita ficam as atrações mais famosas do Palácio, como o Longo Corredor, que faz jus ao nome: 728 metros de uma ponta à outra, decorado por 14 mil pinturas (!!) em suas pilastras e tetos. 

 

O campeão de visitas é o enorme Barco de Mármore, que não é propriamente de mármore – foi feito de madeira e pintado para se parecer com a rocha – e nem foi feito para navegar, só pra ficar parado e embelezar a beira do lago. O barcão era o xodó da Imperatriz Cixi, que desviou 30 milhões de taéis de prata para reconstruir e expandir o Palácio de Verão, dando atenção especial à pseudo-marmórea embarcação. 

A grande ironia: essa dinheirama seria destinada à Marinha Imperial Chinesa, que continuou com uma frota ultrapassada e acabou perdendo a guerra contra os japoneses poucos anos depois. Tudo bem, guerras vêm e vão, e o barco permanece até hoje, atraindo uma boa grana para o Palácio todos os dias. Mas se eu fosse um marinheiro chinês naquela época, ah, como eu odiaria esse troço... 

 

 

Cixi, a famigerada imperatriz que desviou grana pra reformar o Palácio. Que dedos são esses?! 

 

O Longo Corredor: vazio de um lado... 

 

...cheio do outro (com direito a chinês de barba grande e chapéu cônico) 

 

Uma das milhares de pinturas do Longo Corredor. 
   
Um painel de "previsão de turistas"! (Ontem: 41 mil. Previsão para hoje: 32 mil.) 

 
 
Até a iluminação e os orelhões ganharam telhadinhos orientais.   

 

Isso é que é medo: prendem o dragão até quando é de pedra. 

 

O elefante de plantas teve mais sorte. Mas espere chegar o inverno... 

 

E tem o Boi de Bronze: mais de 250 anos nas costas e ainda bem conservado. 

 

As "florzinhas" do Palácio: lembram mais as flores mutantes transformadas pelo ooze em "Tartarugas Ninja II". 
   
Milagre: uma atração turística chinesa vazia! 

 

Outro milagre: um banheiro 4 estrelas! 

 

Quem precisa de pente quando se tem um lagão desses à frente? 

 

Eh... pra que lado fica mesmo? 

17/11/2010

Zapeando a TV chinesa

*On* 

 

Canal 1 
Tá passando novela. As novelas chinesas não são muito diferentes das brasileiras ou das mexicanas: enquadramentos bem tradicionais, trilha melosa e atuações chinfrins. Essa aqui tem cara de história de época, a julgar pelo modelito Austin Powers da mocinha. Uma particularidade dos canais chineses é que grande parte tem legendas. São todas em ideogramas e não ajudam quem caiu na China de paraquedas, mas são uma mão na roda pra quem está tentando aprender o mandarim. 

 

Canal 3 
Propaganda de câmeras Canon. Um chinês ensaia pose de rapper e cara de mau, mas não dá pra meter medo com essa roupa brilhosa. 

 

Canal 5 
CCTV 5, canal de esportes. Esses 15 primeiros canais são todos da CCTV (Central China Television), a maior rede do país, de propriedade do governo. Em tempos de competições importantes, como os Jogos Asiáticos (que estão acontecendo agora e merecerão um post à parte), a CCTV 5 é o melhor canal pra se acompanhar. Não entendi direito o que estão jogando agora, parece mais um programa de calouros, mas a platéia está empolgada: gritam, levantam cartazes e chacoalham os onipresentes bastões de espuma coloridos. 

 

Canal 6 
CCTV 6, canal de filmes. Mas o que tá passando agora tem mais jeitão de novela. Barulhentas máquinas de construção atrapalham uma aula de inglês, levando os alunos a tamparem os ouvidos, mas a professora não está nem aí e continua a lição: green, sun, red ... 

 

Canal 7 
CCTV 7, um canal “militar e agrícola”, segundo a Wikipedia . Três soldados de roupa camuflada e bonezinho conversam perto de uma janela. Interessantíssimo. 

Canal 9 
A CCTV News é um dos poucos canais em inglês da TV chinesa. Jornalistas americanos, britânicos e chineses apresentam noticiários, programas de viagem e previsões do tempo na língua da rainha Elizabeth. Também existem CCTVs em espanhol, francês, russo, árabe e há boatos de que abrirão um em português.

 

Canal 10 
CCTV 10, “Science and Education”. Um cara de óculos e jeitão nerd ensina a fazer um foguete com... garrafinhas? Me lembrou as experiências do Doc Brown no saudoso desenho de “De Volta Para o Futuro” que passava na TV Colosso. Depois mostram um velhinho espetando o foguete na grama, e o troço voa mais alto do que mistura de Diet Coke com Mentos. Parece que o foguete tinha um paraquedas que não funcionou, ou fui eu que não entendi mesmo. 

 

Canal 11 
CCTV 11, “Chinese Opera”. Ópera chinesa o dia inteiro. Devem usar para tortura, sei lá. Um pessoal de chapelões, roupas vermelhas e amarelas e barbas gigantes extremamente postiças cantam: “uéééém, uéééém”. A melodia dissonante, as vozinhas agudas e os cantores com o corpo parado mexendo a cabeça bem devagar não fazem meu estilo. Existem 1300 anos de ópera chinesa para encenarem, o que dá pra encher algumas décadas de programação 24 horas desse canal. 

  

Canal 14 
CCTV Kids. Foi aqui que vi o Bob Esponja falando mandarim, impagável. Agora, um bando de crianças participa de uma prova estilão Passa ou Repassa. Pirralhos de capacete vermelho se atracam com outros de capacete azul, jogando uma espécie de futebol americano em água suja e brigando pela bola como se luta pela vida. Um moleque consegue se desvencilhar da muvuca, escala os degrauzões de borracha, voa pendurado num cabo e acerta a bola na cesta. É um improvável misto de basquete, rugby, chiqueiro e Tarzan. 

  

Canal 15 
CCTV Music. Um clipe em desenho animado mostra um cão e um gato se abraçando, um bebê de topete, uma bateria e um violão que se tocam sozinhos. As criancinhas não cantam em chinês, que língua é essa? Pô, é italiano! E sem legendas. De onde tiraram que os chinesinhos vão entender isso, vai saber. 

 

Canal 21 
BTV 1, ou Beijing Television. Também é uma rede estatal e tem canais de arte, ciência, entretenimento, esportes, finanças e o escambau. Mas esse aqui tá na propaganda. 

Canal 22 
BTV 2. Propaganda de produto de beleza. 

Canal 25 
BTV 5. Também na propaganda. Na verdade, TODOS os canais da BTV, de 1 a 9, estão passando anúncios ao mesmo tempo. Não é lá a melhor das estratégias. Durante a Copa do Mundo, os intervalos comerciais duravam bem mais que o humanamente suportável. Chegavam a cortar 2 ou 3 minutos do segundo tempo só pra mostrar mais produtos. 

 

Canal 29 
BTV 9. Esse não está na propaganda: é SÓ propaganda. Tipo um Polishop da vida. A geringonça da vez é um massageador automático de pés, como direito a animação explicando como as engrenagens funcionam. Custa 999 yuans (R$ 250), e você ainda ganha um rodo de brinde. 

 

Canal 33 
Zhejiang TV. Zhejiang é uma província da costa leste chinesa, e assim como praticamente todas as outras províncias, tem seu próprio canal de TV. Só na minha televisão contei 19 canais provincianos, incluindo Neimenggu TV (Mongólia Interior), Guangdong TV (Cantão) e Xizan TV (Tibete). A maioria transmite historinhas, novelinhas, seriadozinhos pouco diferentes entre si. Essa aqui de Zhejiang parece ser uma novela de época e mostra um bando de soldados de chapéus cônicos vermelhos perseguindo carecas com tranças. 

 

Canal 34 
Shanghai TV. Propaganda de xarope. Em seguida, o comercial de um hospital ortopédico. Depois, de um refrigerante (estrelando gostosas de biquíni), seguido de outro de remédio – dessa vez com mascotes: dois comprimidos coloridos, felizes e saltitantes – e mais outro de remédio pra dor no joelho. Caramba, como deve ter doente em Shanghai. 

 

Canal 45 
Guizhou TV, outro canal de província (Guizhou fica no sul da China). O moleque de monocelha, piercing no nariz e cicatriz que está na tela é muito, mas muito feio. 

 

Canal 58 
Gansu TV. Chinês de peruquinha branca de advogado é sempre uma imagem engraçada. 

 

Canal 69 
O canal chama-se Happy Go Home Shopping. São 4h20 da tarde e estão mostrando garotas de lingerie, tiaras brilhantes e luvas até o cotovelo, vendendo sutiã que deixa os seios mais salientes. 

Canal 77 
“Channel Elan”. Tá passando um videoclipe de música romântica. O cantor caminha por uma floresta, cheirando as folhas e pensando na mulher amada. A legenda em inglês é puro chinglish: 

While alive I am not able to do you proud
In death I wish to burn a light you
Burning like a matchstick with all my might 

Canal 102 
BAMC Music. Eric Clapton solando de olhos fechados no Hyde Park. Finalmente música boa! 

Canal 121 
Reading Channel. Isso mesmo, um canal de leitura. Uma senhorinha discursa atrás de uma bancada cheia de flores. Tão empolgante quanto aquela sua aula de literatura clássica no colégio. Os canais seguintes são semelhantes e tem um de serviços legais, outro de dicas financeiras, mais outro de orientação vocacional. O que no Brasil seria um programa exibido às 6 da manhã para poucos gatos-pingados, na China vira um canal inteiro. 

 

Canal 142 
Um cara joga videogame e dá dicas a respeito. O canal é só isso o dia todo, dicas de videogame. Se fosse Super Mario World ou Street Fighter II, eu até animava de assistir. 

 

Canal 163 
BAMC Baby. Mulheres conversando (sobre bebês, a julgar pelo nome do canal). Engraçado é notar, lá no fundo, um retrato do Einstein com a linguona de fora. 

 

Canal 165 
BAMC I Go. Já jogou Go ? É um jogo de tabuleiro chinês, com pecinhas redondas brancas e pretas. Este canal exibe partidas de Go o dia inteiro, com análises embasadas sobre as táticas e estratégias utilizadas. E não é só ele: o canal 222 (Tianyuan I Go Channel) faz o mesmo. Sugiro que diversifiquem e invistam em canais de War, Master, Adedanha e Pula Pirata. 

Canal 170 
CCTV Golf & Tennis. Juntaram os dois esportes notoriamente mais chatos de assistir e puseram num canal só. Deve ser bom pra curar insônia. 

 

Canal 173 
Handwriting Channel. Um canal só de caligrafia. Um velhinho exibe sua destreza no pincel em um programa que parece antigão, o que não é se admirar – o universo da caligrafia não é exatamente recheado de novidades. 

 

Canal 217 
English Teaching. Um bicho roxo esquisito conversa em chinês e inglês com uma fêmea cor-de-rosa da mesma espécia. “You are not a woman, you are a girl ”, ele informa à antenuda. Será mesmo? 

 

Canal 226 
Drama Channel. O velhinho de chapéu preto, bigodão loiro e bambu na mão parece saído de uma comédia, não de um drama. Impressionante: mais de duzentos (!!) canais e não houve absolutamente nada que atraísse minha atenção por mais que alguns minutos. No fim das contas, a TV chinesa não é assim tão diferente da brasileira. Melhor parar por aqui. 

*Off* 
 

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

Busca no blog

Leia

Leia
Cinema-Múndi: Uma viagem pelo planeta através da sétima arte

Leia também

Leia também
A Saga de Tião - Edição Completa

Ouça

Ouça
Sifonics & Lucas Paio - A Terra é Plana

Mais lidos

Leia também


Cinema por quem entende mais de mesa de bar

Crônicas de um mineiro na China


Uma história parcialmente non-sense escrita por Lucas Paio e Daniel de Pinho

Arquivo

Contato

Nome

E-mail *

Mensagem *