30/04/2010

Olhaolaê, uh!

 

Acabou que eu, que só freqüentava o Mineirão quando tinha Pop Rock ou coisa do gênero, me vi assistindo a uma partida de futebol ao vivo em plena China. O palco da contenda foi o Gōngrén Tǐyùcháng, na região consular-etílica de Sanlitun, em Beijing - mas pode chamar de Estádio dos Trabalhadores. O inglês que mora comigo há tempos pensava em vivenciar essa experiência esportivo-cultural e o embate entre Beijing Guoan - time da casa - e o japonês Kawasaki Frontal, pela Liga dos Campeões da Ásia, foi a primeira oportunidade que apareceu. Lá fui eu junto. 

  

O Estádio dos Trabalhadores foi construído em 1959, como parte das comemorações dos dez anos do comunismo chinês, e sediou alguns jogos de futebol nas Olimpíadas de 2008. Capacidade: sessenta e um mil, cento e sessenta e um torcedores. Ainda a alguns quarteirões da entrada, vendedores já ofereciam camisas, bandeiras, cornetas e cachecóis verde-amarelo. Homenagem ao país do futebol? Não, são as cores do Beijing Guoan mesmo. Nos portões do estádio, a fila andou rápido e o batalhão de escudo na mão e cachorros na coleira não precisou surrar ninguém. Lá dentro, estádio lotado. A torcida do Guoan fazendo olas e cantando canções de repúdio ao adversário, e um grupo mirrado de japoneses de camisa azul espremidos lá em cima, gritando e batucando como se fossem muitos mais. Devia ter mais policial em volta, protegendo os nipônicos da suposta ira chinesa, do que kawasakienses roxos. E a chinesada bradando expressões carinhosas como "cao ni ma!" e "shabi!". A primeira é afronta comum no mundo inteiro: "cao" é um nome chulo para o ato sexual e "ni ma" refere-se à glorisa mãe do interlocutor. Já "shabi" é um insulto curioso que, literalmente, significa chamar de estúpido o órgão sexual feminino. 

 

Começa o jogo e é aquela coisa: Xu toca para Wang, que passa para Zhou, que faz a finta e toca para Valdo... opa! Valdo? Sim, tem brasileiro no time: um tal de Erivaldo, que jogou no Palmeiras (quando este estava na segunda divisão, vale dizer) e já chutou bolas em grandes clubes como o Atlético Sorocaba, o Esporte Clube Pelotas, o Rio Branco Esporte Clube, o tunisiano CS Hammam-Lif e o chinês Hangzhou Greentown. Além do brasileiro, fazem parte do Guoan um croata, um escocês e dois australianos. Daí a razão da bandeira do Brasil que vi pendurada em uma parte da torcida, em companhia dos estandartes dos países supracitados. O Valdo, camisa 10, foi bem aplaudido quando saiu de campo, substituído no segundo tempo. 

 

Saldo final da brincadeira: pernas-de-pau para todos os lados, lances interessantes aqui e ali, nenhum cartão vermelho ou amarelo e uma vitória satisfatória do time da casa por 2 a 0. E o melhor: nem sinal do Galvão Bueno. 


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

18/04/2010

Sabadão no Art District



Um dos meus lugares favoritos de Beijing é o 798 Art District, também conhecido por uma cacetada de nomes: 798 Art Zone, Factory 798, Dashanzi Art District e o nome chinês, 798艺术区 (Qījiǔbā Yìshùqū).

O espaço remonta aos anos 50, quando era um complexo de fábricas projetado por especialistas da Alemanha Oriental e se chamava Factory 718. Não me perguntem por que o 718 virou 798. Já o "Art District" é fácil de explicar: depois que as indústrias estatais entraram em declínio nos anos 90, artistas de todos os tipos tomaram os prédios das fábricas abandonadas e transformaram o conjunto industrial em um bairro artístico cheio de galerias, estúdios, bares e restaurantes.

Indicado não apenas para quem se interessa por artes visuais, o 798 é um lugar aprazível para passar uma tarde de sábado, entrando a esmo em galerias, admirando esculturas bizarras e tirando fotos de achados curiosos. Numa hora você encontra uma exposição de arte norte-coreana, calcada, obviamente, no orgulho militar. Noutra, se esbarra com uma coleção de fotografias sobre o catolicismo na zona rural chinesa e vê situações inimagináveis, como a parede que exibia lado a lado os retratos de Jesus e Mao Tsé-Tung.

Um apanhado de fotos que tirei no 798 no último fim-de-semana:


Entre desenhos realistas e exageradas caricaturas, nem o Ronaldinho Gaúcho escapou. 


Patinando em cima de um carrinho, tá na cara que vai cair e esfolar a fuça.


Garçom, traz mais uma tijolada!


Só no 798: uma exposição de arte dentro do busão.


O paramentado interior do balaio.


E essa aí exibindo as pernocas pra galera do fundão.


Tá pedindo desculpa pros carnívoros ou pros indianos?


Cara-metade (turum tsssss)


Pedir carona ainda vai, mas precisava do bunda-lelê?


Não se pode mais caçar em paz como antigamente...


No 798, prédios abandonados viram alvo fácil para grafiteiros e afins.


Um corredor aparentemente sujo e mal-pintado pode esconder surpresas...


... como um dragão de língua de fora...


... ou um elaborado desenho em azul e preto de um grandalhão sisudo.


O nome da escultura: 工作中 (gōngzuòzhōng), ou "Homem Trabalhando".


Yoga avançada.


Não sei quem inspira mais pena: ela, presa numa jaula com um gigante nu, ou ele, pateticamente desproporcional.


O bócio, nesse caso, é o menor dos problemas.


Coisa Addams encontrou seu par.

11/04/2010

A Caverna da Raposa de Prata

O nome parece título de aventura da Sessão da Tarde em que uma turminha irada parte em busca de um artefato místico e apronta altas confusões da pesada, mas é só a tradução de uma caverna nos arredores de Beijing: Yínhú Dòng, ou Silver Fox Cave. Lemos a respeito num guia sobre a cidade, em busca de passeios de fim-de-semana. A caverna pareceu uma boa pedida – a última que visitei foi a Gruta do Salitre, em Diamantina, ainda no século XX – e, numa manhã de sábado, embarcamos na inacreditavelmente longa jornada até lá.

Sim, porque apesar do lugar ser oficialmente situado em Beijing, essa cidade é enorme e você tem que dirigir por horas pra sair dos limites do município. Tivemos que pegar um táxi para a estação de metrô; dois metrôs até o Templo do Céu, no sul da cidade; um ônibus para a rodoviária mais próxima; o ônibus de longa distância 917-3 até o ponto final, Hebeizhuang; e, finalmente, um táxi "não-oficial" até a entrada da caverna. Tempo total da brincadeira: 5 horas. Na volta tinha menos trânsito e só demoramos 4.


Itinerário do ônibus 917-3: quarenta e uma paradas até o ponto final. 


Placa apontando a atração: botaram uma nova, mas fizeram questão de deixar a velha e enferrujada fazendo companhia.

A Caverna da Raposa de Prata foi descoberta em 1991, depois de uns bons bilhões de anos sem ser perturbada. Mineiros (daqueles que escavam minas, não os que habitam Minas) encontraram por acaso a entrada para o lugar e, surpresos, se depararam com uma caverna  de 5 mil metros de comprimento.

Desses 5 mil, cerca de 3 mil estão abertos para visitação. Tem que pagar, claro – o ingresso custa 43 RMB, o equivalente a 11 reais (curiosamente, os dois valores são números primos). E não pode perambular por lá sozinho: tem que seguir o guia, que vai explicando um pouco sobre as estalactites, as estalagmites, aquela coisa toda. Pra quem tem um vocabulário geológico em mandarim extremamente limitado, como eu, tanto faz: o lugar tá cheio de plaquinhas em inglês, e de qualquer forma, o que interessa mesmo é andar e apreciar. 


A entrada da caverna.

 
Cadeiras coloridas de plástico de 35 mil anos. Ou não.

O legal dessa caverna é que ela é subterrânea. Você vai descendo, descendo e quando vê já tem cem metros de rocha sobre a sua cabeça. A temperatura não varia: fica em 13 graus o ano inteiro. Os corredores são estreitos e de teto baixo, mas é tudo bem iluminado – uma pena, porque acho muito mais bacana quando a gente precisa de lanternas e tochas pra encontrar o caminho.

Quanto às formações geológicas, tem muita coisa interessante. Mas há que se dizer: a maioria das denominações que eles inventam, pra dar um atrativo a mais às rochas disformes descendo pelos tetos, cheiram a forçação de barra. Tem que tomar muito chá verde estragado pra enxergar um "Buda Sorridente" em uma pilastra de pedra, ou notar um "Leão-Marinho Rezando" em uma estalagmite irregular que nem sabe do que está sendo chamada. 


"Estátua do Presidente Mao". Tá vendo?


"Torre de Pisa"? Quem sabe numa reinterpretação de Picasso... 


Essa aí não tinha nome, mas poderia ser "O Grande Molar Cariado". 


Vá lá: esse "Velho Pescador Pescando" até que lembra um homem de costas, de chapéu, matutando à beira de um rio imaginário. 


Cabana de bambus, pilar celestial, leão-marinho rezando, urso marrom escalando a torre. Imagina a seção de brainstorm dessas plaquinhas, o que não deixaram de fora... 

De repente, você se depara com uma placa que diz: "Rio Subterrâneo". Pois é: correndo a 100 metros debaixo da terra, há um riozinho de águas claríssimas (deve ser a água mais transparente que já vi na China), que parte sabe-se lá de que nascente para desaguar sabe-se lá onde. As águas são "navegáveis" – melhor botar entre aspas, porque o rio é tão estreito e raso que só cabe um barquinho de 6 passageiros de cada vez. O piloteiro vai na frente, sem remo nem nada, guiando a embarcação através de cabos instalados no teto. A sensação de navegar debaixo da terra, à la Professor Lidenbrock, e o silêncio que só deixa ouvir o som da água correndo tornam o riozinho subterrâneo, ironicamente, o ponto alto do passeio na caverna. 


Parece entrada de Trem Fantasma.



E a tal da Raposa de Prata? Ela aparece já no finalzinho, depois que você já subiu e desceu degrau por quase duas horas. Nada mais é que uma estalactite branca de dois metros de comprimento que deveria lembrar uma raposa pendurada pelo rabo. Bem bonita quando vista de perto – mas, novamente, só vindo direto de São Thomé das Letras pra perceber a semelhança com um canídeo argênteo.


Raposa de Prata ou Girafinha de Algodão-Doce? 

Quase na saída, mais uma surpresa: te botam dentro de um trenzinho apertado e salvam suas pernas de mais uma caminhada, deixando apenas algumas dezenas de degraus pra enfrentar depois. O único problema do trenzinho é que você não vê nada: o vagão da frente atrapalha a "vista" e nem pense em esticar o pescoção pra fora, que é decepada na certa. O caminho é estreito e praticamente só comporta a pequena ferrovia. Mas, claro, vale pelo inusitado da coisa.


Claustrofóbicos, tremei. 

   
O alaranjado - e antiquíssimo, como dá pra notar - vagão do maquinista tem até placa. Será que até aqui tem guardinha multando, caramba?

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

Busca no blog

Leia

Leia
Cinema-Múndi: Uma viagem pelo planeta através da sétima arte

Leia também

Leia também
A Saga de Tião - Edição Completa

Ouça

Ouça
Sifonics & Lucas Paio - A Terra é Plana

Mais lidos

Leia também


Cinema por quem entende mais de mesa de bar

Crônicas de um mineiro na China


Uma história parcialmente non-sense escrita por Lucas Paio e Daniel de Pinho

Arquivo

Contato

Nome

E-mail *

Mensagem *