29/09/2009

De volta ao pré-primário

 

Quando tomei a decisão de vir para a China, procurei em Beagá algum lugar para aprender um básico de mandarim e não passar tanto aperto na hora de estudar de verdade. Mas ou as escolas eram caras demais ou já estavam no meio do semestre. Foi através de um fórum em português sobre a língua chinesa na internet que encontrei o Chéng, taiwanês criado no Brasil que topou me dar aulas particulares na casa da minha avó (?!), que era perto da agência onde eu trabalhava. Por dois meses pude me familarizar com sons, números, caracteres, cumprimentos, nacionalidades, usando coincidentemente um livro-texto da própria BLCU, onde estudo agora. O livro era destinado a crianças, mas ser um chinês de 5 anos de idade e um rapaz latino-americano de quase 25 dá no mesmo quando a tarefa é ler ideogramas. 

Não fui exatamente o aluno mais aplicado do mundo nas minhas aulas de mandarim no Brasil, mas quando cheguei a Beijing e fiz o placement test da BLCU, acabei pegando a classe A6, o que significa que ainda sou analfabeto e incapaz de discutir com um motorista de táxi, mas já sei dizer "nǐhǎo" no tom certo. São trocentos níveis diferentes. Só no A, que é pra quem não fala lhufas, vai do A zero ao A15. Depois tem o B, pra quem já sabe uma gramática básica e consegue pedir comida com mais propriedade, e por aí vai até chegar no F, pra quem é fluente mesmo, como eu e você deveríamos ser em português. 

O tal do placement test era só uma folha com perguntas básicas em inglês: você já estudou mandarim antes? Sabe o que é "xièxiè" e "zàijiàn"? Reconhece os caracteres de "lǎoshī"? Teve um teste oral também, que durou 2 minutos. A professora até perguntou se gostaríamos de fazer a prova para o nível A+ (a partir da classe A10), mas dei uma olhada e só o placement test era todo em mandarim. Não, brigado, fico com o meu A6 que tá bão demais. 

O mais engraçado foi na hora do teste oral. As duas primeiras perguntas foram: qual o seu nome? E qual a sua temperatura corporal? E eu: sei lá, trinta e seis? Ela se deu por satisfeita e anotou o dado. Isso é que é estranho: eles parecem preocupados com a gripe suína e todo dia querem saber, na hora da chamada, qual é a nossa temperatura, mas ninguém lasca termômetros sob os sovacos dos alunos para averiguar a veracidade das informações. Aí a gente começa a inventar números quebrados: trinta e seis e meio, trinta e seis ponto três, trinta e seis ponto quatro. No fundo, acho que é só para praticarmos a pronúncia dos números. 

A pergunta que não queria calar: as aulas do nível básico são em chinês ou em inglês? Sem delongas: é tudo em chinês. Explicações, exemplos, perguntas, respostas dos alunos. Os livros, no entanto, têm certas traduções em inglês, e quando é realmente necessário a professora faz uso da língua de Hemingway. Afinal, dá muito mais trabalho explicar o que é "Chángchéng" com mímicas malucas do que simplesmente dizer "Great Wall". 

 

Um dia normal de aula é assim. Às 8h em ponto (chineses são sempre pontuais) entra a professora Liáng para lecionar gramática. É a aula em que a gente mais aprende. As lições começam sempre com um vocabulário que vem crescendo a cada dia – semana passada tínhamos 13 caracteres pra aprender por dia, agora já são 30. Ela escreve no quadro o p ny n (nome dado à transcrição dos ideogramas no alfabeto romano), faz a gente repetir quinhentas vezes, escreve os caracteres ao lado, apaga o pīnyīn, repetimos de novo, na ordem do livro, depois em outra ordem. É tanta repetição que a gente acaba guardando. 

Depois vêm os diálogos. Por exemplo: 

- Você está cansado? 
- Não, não estou. Estou com sede. 
- Você quer beber Coca-Cola? 
- Sim. 
- Aqui está. 

Pois é. Além de cumprimentos e verbos como falar e comer, as primeiras lições de qualquer livro de mandarim sempre incluem "Kěkǒu-Kělè" (Coca-Cola), "Mài Dānláo" (McDonald's) e "Kěndéjī" (KFC). Aprendemos a falar Coca-Cola em chinês antes de sabermos pedir um Pato de Pequim. Imagine uma coisa dessas na China de trinta anos atrás. 

Todos os dias temos quatro aulas de 50 minutos, com intervalos de 10 ou 20 entre elas. Então dá tempo de tomar um ar, bater papo com o pessoal do lado de fora do prédio, comprar uma água ou um croissant. Comer e beber é sempre muito barato. Embora no Run Run Shaw Building, onde estudo, a água seja o dobro do preço do mercado aqui perto do meu dormitório, ainda assim 550ml saem por R$ 0,53. 

Às terças e quintas, depois da aula de gramática, chega a professora Hé para as aulas de listening. São duas horas ouvindo e repetindo sons, distinguindo tons, adivinhando terminações que soam quase iguais (vai diferenciar um áng de um éng logo de manhã pra você ver). Outro dia fizemos um joguinho entre as três fileiras: a professora falava uma sílaba e tínhamos que procurar entre várias opções a consoante inicial, a terminação e o tom correto. Nossa fileira ficou em 2º lugar, apenas um ponto atrás do primeiro colocado. É como voltar ao pré-primário. 

Às segundas e sextas é a vez da professora Zhèng. Justo no dia mais preguiçoso e naquele em que estamos com um pé no fim-de-semana, temos a lǎoshī mais elétrica de todas. Se aqui não fosse a China, apostaríamos que ela toma uma dose de cocaína no café da manhã. Todo mundo com cara de sono e ela na velocidade cinco: 

- Nǐhǎo! Nǐ lèi ma? Nǐ máng bu máng? Nǐ bàba, māma dōu hǎo ma? 

A aula dela é de speaking, então ela pergunta bastante, e ainda manda a gente ir na frente da sala interpretar diálogos. Agora eles andam fazendo mais sentido, mas no início, com nosso vocabulário ainda precário, beiravam o non-sense: 

- Olá! 
- Olá! 
- Obrigado! 
- De nada! 
- Desculpe! 
- Não há de quê! 
- Tchau! 
- Tchau! 

Somos 18 pessoas na classe. Dois americanos, um francês, um australiano, um indiano, uma menina do Cazaquistão, vários das Filipinas, Malásia, Indonésia. Tem um que é meio israelense e meio americano. Outro é meio americano, meio dinamarquês, só que nasceu em Amsterdam. E tem eu, nascido e criado no Brasil, filho e neto de brasileiros, a quem as professoras chamam de Lùkasī ou algo assim. É, já sei pedir cerveja mas ainda não aprendi a escrever meu próprio nome. Um dia chego lá.

22/09/2009

Pyongyang é logo ali

 

Estava eu no Beijing Aquarium, fazendo um lanche antes de assistir ao show dos golfinhos, quando olhei um casal e fiquei pensando: esses aí têm muita cara de brasileiro. A gente acha que brasileiro não tem cara, mas é só viajar pra perceber que dá pra achar tranqüilo um tupiniquim no meio da multidão. Fui até lá e perguntei em português mesmo, sem medo de errar: com licença, vocês são de onde? 

Eram do Rio. Mas encontrar carioca nesse mundão é relativamente fácil. Curioso mesmo foi descobrir onde eles estão morando agora: Pyongyang, a capital da famigerada Coréia do Norte. "Coréia do Norte? Sério?" E aí uma conversa que seria apenas o tradicional "onde você já foi? tá aqui há quanto tempo?" tornou-se um rico papo sobre como é viver sob o governo do tão falado, temido e zoado Kim Jong II. 

O cara é secretário da Embaixada Brasileira em Pyongyang. Ainda é só um protótipo e não tem todas as funcionalidades de uma embaixada de verdade. Trabalham lá só ele e o embaixador, e moram todos em prédios dentro de uma mesma área, destinada somente a estrangeiros. Além dos brasileiros, também têm embaixadas na Coréia do Norte os russos, os ingleses, os alemães, os chineses, os cambojanos e grande elenco. Já os estadunidenses e sul-coreanos, obviamente, não passam nem perto. 

E como é o dia-a-dia em Pyongyang? Na verdade, não parece muito diferente de morar em uma cidade pequena no Brasil. Por exemplo: eles têm acesso irrestrito à internet. O único porém é que a banda larga não chegou por lá ainda, então têm que se contentar com a internet discada e aquele velho e irritante barulhinho do modem. Em compensação, conseguem acessar YouTube, Facebook e blogs, coisa que aqui na China não permitem. Os norte-coreanos de raiz, porém, não conseguem acessar nada. Não é que alguns sites sejam bloqueados: eles simplesmente são proibidos de acessar a internet, mesmo que seja algo tão inocente quanto um joguinho online de gamão. 

O casal carioca me contou que eles conhecem vários norte-coreanos e que são todos gentis, boas pessoas. É aquela coisa: para os locais, a Coréia do Norte é o paraíso na Terra, o melhor lugar para se viver, e não sonham em questionar o governo nem o bloqueio à informação à qual são submetidos – mesmo porque nem devem saber que estão sendo privados de alguma coisa. As artes – música, dança, pintura – são todas ligadas à propaganda oficial do governo. 

Me lembrou muito a China dos anos 70 que o Henfil narra em seu "Henfil na China". Para fazer compras de verdade e conseguir roupas, eletrônicos, produtos de beleza, qualquer coisa, o casal brasileiro precisa vir a Beijing uma vez por mês. E, provavelmente, também para espairecer e poder andar por conta própria em uma cidade grande, sem chateações como a de ter obrigatoriamente um guia local ao seu lado até quando você vai ao banheiro. Ok, não é assim tão exagerado: eles podem ir a restaurantes sozinhos, por exemplo. Mas outras atividades corriqueiras, como ir ao banco ou mesmo tomar um táxi, têm que ser acompanhadas por um norte-coreano especialmente designado para a função. Uma vez, o carioca tentou pegar um táxi sozinho e o motorista se recusou a aceitar, temendo alguma represália legal. 

E não seria perigoso morar num país como a Coréia do Norte? Segundo eles, nenhum lugar poderia ser menos perigoso. Ninguém vai te assaltar em um país onde jornalistas estrangeiros podem ser condenados a 12 anos de trabalhos forçados. Mas e se, sei lá... estoura uma guerra? Quanto a isso também estão tranqüilos, o governo norte-coreano anda dialogando mais com o mundo ocidental ultimamente e acho que o Kim Jong II é louco, mas nem tanto a ponto de realmente comprar briga com tantas potências nucleares. 

Beijing tem vôos diretos para Pyongyang todos os dias e trens várias vezes por semana. De repente, visitar a Coréia do Norte não parece tão inusitado e ameaçador assim. E de qualquer forma, se algo der errado, sempre se pode contar com um ex-presidente, a exemplo de Bill Clinton e sua quase hollywoodiana missão de resgate às jornalistas norte-americanas. Será que o Fernando Henrique também toparia fazer algo parecido pra salvar minha pele?


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

21/09/2009

16/09/2009

É fácil andar de metrô em Beijing?

 

Fácil pra cacete. Passei muito mais aperto em Berlim do que em Beijing, só pra ficar em cidades que rimam (Betim, até onde sei, ainda é só carroça e ônibus). Claro que um mapa da cidade, pra você saber onde está e resolver aonde quer ir, é de grande valia. Na entrada das estações tem um monte de terminais para comprar a passagem. Dá pra clicar em "English" se o mandarim não for o seu forte. Aí é só escolher a estação de destino, inserir a grana e tem-se um ticket novo em folha para usufruir as facilidades do transporte público pequinês. 

Tanta modernidade tem um preço quase ridículo: 2 yuans, o equivalente a 53 centavos de real. São 8 linhas que cobrem boa parte da metrópole. Curiosamente elas não seguem uma lógica muito aritmética: linha 1, 2, 5, 8, 10, 13, Batong e Aeroporto. Mas pra quem tem toc e passa mal quando vê uma numeração faltando pedaço, as linhas 4, 6, 7, 9, 14 e 15 estão em construção (a 3, a 11 e a 12 permanecem um mistério). Agora, não sei se todas são de superfície, como a que eu peguei, ou tem também debaixo da terra. Ou será que eles deixaram o subsolo da cidade só para abrigos antiatômicos e correlatos? 

Da estação Wudaokou até a Xizhimen, passando pela Zhichunlu e a Dazhongsi, rodei uns dez quilômetros em pé, mas sem a superlotação que eu tinha imaginado. (Talvez por ser um domingão, claro. Quando enfrentar a hora do rush chinesa eu conto como foi, se eu sair ileso). Bem mais trabalhoso foi descer do trem e tentar achar o zoológico munido apenas de mapa e do meu precário senso de direção. Sorte que chinês é o que não falta: me aproveitei da boa vontade de vários, fazendo cara de perdido, apontando no mapa onde queria ir e finalizando com um "xièxie" de gratidão. 

Pior foi ontem, que saí sozinho de uma boate chamada "Propaganda", à uma da manhã, sem fazer idéia de como voltar pra casa. Sem o meu mapa e a boa vontade chinesa, eu estaria na rua até agora – porque a única estrangeira a quem pedi informação disse um "I don't know" apressado e saiu pela tangente, talvez com medo da minha cara de árabe. O negócio é perguntar pra chinesada mesmo, ainda que seu vocabulário seja como o meu, só oi, tchau e obrigado. Mapa e cara-de-pau: não ande na China sem eles.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

Propaganda é isso aí

 

E ontem, que eu tava tomando uma cerveja (Beijing Beer, 500ml por R$1,34) com um pessoal da Alemanha, e uma chinesinha nos abordou para participarmos de um comercial? Ela disse que precisavam de estrangeiros para um anúncio de roupas e que nos encaixávamos bem no que eles queriam. Levaram a gente para um espaço aberto atrás do bar e um chinês tirou algumas fotos: de frente, de costas, de perfil. A única palavra em inglês que ele falava era "smile". Fiquei me sentindo o Bill Murray em "Encontros e Desencontros", fazendo propaganda de uísque ("For relaxing times, make it a Suntory time") com um diretor que não falava lhufas de inglês. Depois, o chinês pegou a filmadora e gravou um vídeo no qual eu dizia meu nome, minha idade e de onde eu vinha. A palavra "Brazil" não despertou reação, mas aí emendei o seu correspondente em mandarim – Bāxī – e ele ficou satisfeito: "Ah, Bāxī!". Ainda falta o diretor do comercial analisar as fotos e aprovar, mas se der certo eu já tenho trabalho para o dia 4 de outubro, ganhando um cachê de 500 yuans e a glória de aparecer na televisão chinesa. Pelo visto, os padrões estéticos chineses não são lá muito altos. 

(Na foto: vista da janela do meu quarto. Os guarda-sóis azuis são do bar onde eu estava.)


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

12/09/2009

Anotações sortidas aeroportuárias

 

Guarulhos, 9 de setembro de 2009, 4:47 pm. 

Se for amarrar alguma coisa na sua mala pra ficar mais fácil de achá-la no desembarque, não escolha fitas vermelhas. Nada menos do que quatro malas pretas com fitas vermelhas apareceram na esteira antes que a minha despontasse no horizonte. 

A livraria Laselva tem o nome mais apropriado possível. Lá vale a lei da natureza: quem tem mais pressa e malas maiores atropela quem só está de bobeira, tentando folhear uma revista. 

Passagem trocada por milhas não dá direito a mais milhas. Parece óbvio, mas não custava perguntar, né? Pois é, perguntei e não dá mesmo não. 

O tempo para percorrer a pé da Asa A à Asa D do aeroporto de Guarulhos é de 6 minutos. (Sim, eu fiquei a tarde toda sem ter muito o que fazer.) 

Frankfurt, 10 de setembro de 2009, 3:38 pm. 

Estou sentado no balcão de uma lanchonete chamada Collection. Não pretendia comer nem nada, mas o garçom (Herr Schlotthauen, segundo o crachá) me viu folheando o cardápio, perguntou o que eu queria e acabei pedindo um refrigerante, pra não ficar escrevendo no balcão deles de mãos abanando. De acordo com o cardápio do Collection, todos os anos 50 milhões de pessoas passam por esse aeroporto. 50 milhões de passageiros com sede, porque não vi nenhum bebedouro por aqui. Ou talvez a água da pia seja potável e eu é que não arrisquei experimentar.

Acabo de ver o Bóris Feldman entrando na Relay, livraria-revistaria aparentemente onipresente em Frankfurt (só na área do aeroporto onde estou tem umas três). Deve ter algum evento automobilístico acontecendo na cidade: até onde eu sei, ele não viria até aqui para ver só o Jaguar antigo em exposição no aeroporto, o Opel Insignia aberto para curiosos e o carro pregado no teto de cabeça pra baixo (esses germânicos são loucos).

Ao lado da Relay tem o Quicker's, onde mais cedo degustei um saboroso pão com chocolate. Daqui dá pra ver lá dentro o coração em espiral da Kibon, só que aqui se chama Langnese. É a única marca que conheço que tem um nome diferente a cada país (Streets na Austrália, Ole na Holanda, etc). No meio do saguão, 8 telões de LCD informam aos transeuntes os vôos que vêm a seguir: Estocolmo, Cracóvia, Copenhagen, Düsseldorf, Istambul, Hong Kong. A Lufthansa opera a imensa maioria deles, e conta até com uma lojinha própria aqui dentro, vendendo malas, camisas, aviõezinhos.

A fauna humana varia: muitos alemães, muitos asiáticos, um ou outro árabe barbudo de turbante, uma africana de roupa longa colorida. Mas o prêmio de melhor figurino vai para um gordinho que usava camisa vermelha e macacão azul. Olhei pra ele e comecei a rir sozinho, sem ter pra quem verbalizar a piada pronta: estou diante de ninguém menos que o Super Mario em pessoa! 


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

Primeiro dia na China


É engraçado você chegar quase aos 25 anos e de repente voltar a ser analfabeto. Me senti feito um recém-nascido, que vê um monte de coisas, ouve um monte de coisas, mas não entende lhufas e não sabe se eles tão discutindo o preço de uma compra, contando um caso ou rindo da sua cara.

Este primeiro texto será um amontoado de notas sem muito rigor, escritas enquanto estou em frente ao Ramble Cafe, dentro do campus da BLCU, esperando abrirem para o café da manhã. Depois, espero, virão textos mais coesos, sobre assuntos específicos, com um mínimo de embasamento.

Vôo da Lufthansa tranqüilo, apesar das nove horas de pescoço doído de dormir sentado. Vim ao lado de duas alemãs que estão indo ao interior da China visitar um hospital para ursos (!!).

O aeroporto de Beijing é enorme, mas estava bem mais vazio do que eu imaginava. Todos os agentes da imigração usavam máscara (e no avião distribuíram questionário perguntando se estávamos tossindo, o nariz escorrendo...), e não tive trabalho algum pra passar na alfândega. O cara não me fez nem perguntas: pegou o passaporte, carimbou e tchau.

Tive a sorte de ser recebido pela Penny, uma conhecida do meu pai que fala russo e inglês fluente. Com a ajuda dela, do sr. Sheng Gen (que é professor de inglês e alemão na BLCU) e do motorista, Lao Wang (que ainda não aprendeu a pronunciar "thank you"), consegui me registrar no dormitório do campus, fazer um cartão de débito, comprar um laptop e um celular com número chinês.

É bem difícil achar chineses falando inglês compreensível, inclusive dentro do campus de uma universidade cheia de estrangeiros. O vendedor do laptop tentava me falar: "tao lao", "tao lao", até que ele escreveu num papel e pude entender: era "download". Ele também tentou pronunciar "Brasil", mas só saía "Plazil".

No caminho do aeroporto pra universidade, vi o Ninho de Pássaro e o Cubo d'Água. As estradas são largas e pegamos um engarrafamento já esperado. Se em Beagá que é roça grande o trânsito pára todo dia, o que dizer de uma metrópole com 16 milhões de habitantes?

A mulher do dormitório preenchendo minha ficha: primeiro escreveu "LUCAS" no campo "Sobrenome". Depois, no campo "Primeiro nome", olhou o passaporte e não teve dúvidas: colocou "BRASILEIRO".

Meu quarto é bem ajeitado: cama, armário, escrivaninha, bule para chá, frigobar, televisão com trocentos canais – inclusive em inglês, espanhol e coreano. A privada é ocidental, grazadeus. Sanitário no chão não é de todo ruim, e certamente é mais higiênico – até a descarga você aciona com o pé – mas todo dia não dá.

Tem um mercadinho atrás do meu prédio, onde comprei papel higiênico e água. Ainda vou explorá-lo de forma mais aprofundada. Vou ver se encontro um rodo, porque meu chuveiro não tem box nem cortina, e fica tudo alagado.

Meu primeiro almoço não foi chinês, mas vietnamita. Muita carne (boi, frango, porco, camarão, por enquanto nada de insetos), arroz com frutos do mar e abacaxi picado, tudo em grande quantidade.

O shopping onde comprei o laptop é só de eletrônicos. Enorme, vários andares, zilhares de produtos, lojinhas, estandes. Os vendedores te abordam assim que você passa perto, e não é no estilo cortês de perguntar o que o senhor deseja: eles começam a gritar, todos ao mesmo tempo, para que você os acompanhe e confira suas ofertas imperdíveis. Aí você vai andando atrás, subindo escadas sinistras, entrando em elevadores lotados; chega numa salinha nos fundos do topo do prédio e pechincha até sair feliz.

Ainda não tenho internet no meu quarto, mas aqui no café tem rede wireless e dá pra mexer tranqüilo. MSN, Google, Hotmail, Gmail e Orkut entraram sem problemas. Quanto ao Facebook, YouTube e blogs em geral – inclusive este – não posso dizer o mesmo. Tô escrevendo e postando através de e-mail.

Não vi ninguém de tênis Mike ou agasalho Adadis, mas notei a blusa de uma garota com as letras da Diesel, só que escrito "DSELEI".

Lição final do dia: nunca mais comprar um picolé de feijão! Tinha de morango, chocolate, mas não: resolvi pegar o de feijões verdes e vermelhos. Não bastasse a crosta externa, quase impenetrável de tão gelada, o recheio era feijão de verdade. E não tinha nem um arrozinho pra fingir que era PF. 



Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

09/09/2009

Have a Rice Day

 

Muito antes de imaginar que um dia moraria na China, comecei a usar como imagem de MSN um desenho feito por meu chapa Bernardo Silveira, baseado na capa do disco " Have a Nice Day " do Bon Jovi. O smile estilizado com expressão irônica virou um sorridente chinês bigodudo, e o Nice Day original se transformou num apropriado "Have a Rice Day". 

Pretendíamos fazer da imagem a camiseta oficial da nossa Gina'n'Gina Bon Jovi Cover, e o Silveira até mandou a estampa para a Camiseteria , devidamente acrescida de cumbuca e pauzinhos. Mas só semana passada resolvemos pôr a mão na malha e levar o arquivo do Corel para transformar o Bon Jovi oriental em vestimenta. Ainda pesquisei como se diz "Bon Jovi" em mandarim - "Bāng Qiáofēi" - e os ideogramas correspondentes (邦乔飞) ganharam espaço no canto esquerdo. E pronto: camisa novinha pra pisar na China sexta-feira de manhã feeling like a Saturday night. New Jersey nunca esteve tão perto de Beijing.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

Boca de Gafanhoto


Fui pra China.

Não é piada e nem eufemismo pra falar que o blog acabou. O Biselho continua firme e forte, mas com atualizações menos freqüentes. Minhas atenções nos próximos meses estarão mais voltadas para o Boca de Gafanhoto, blog que criei para depositar minhas impressões sobre o país mais populoso do mundo, onde morarei a partir desta semana.
Com um inédito domínio ponto com (até o Biselho que já tem cinco anos ainda é ponto blogspot)e uma logo criada pelo renomado sabinopolense Daniel de Pinho, o Boca de Gafanhoto já conta com 5 posts no ar, e isso que eu ainda nem saí de Belo Horizonte. Comentem, divulguem, xinguem, mas acessem: http://www.bocadegafanhoto.com/

06/09/2009

Henfil na China

 

Esse livro esteve lá em casa desde sempre e só há pouco tempo resolvi tirá-lo da prateleira. Henfil - pseudônimo do genial cartunista mineiro Henrique de Souza Filho, 1944-1988 - visitou a China em 77, quando o país ainda era comunista até o pescoço, e registrou tudo em 300 páginas de texto fácil, detalhista e bem-humorado. Henfil olha pra tudo, pergunta e descreve transporte, comida, serviços, banheiros. Narra suas passagens por hospitais, escolas, fábricas, comunas, casas, asilos e até abrigos atômicos subterrâneos (" Pensei de ir para as montanhas, passar por guardas armados, dizer senhas, passar por raio X, pra ver se eu levava equipamentos de espionagem e por fim entrar numa caverna como nos filmes de James Bond. E o que eu vejo? Na parede de uma lojinha de tecidos, vi um botão ser apertado e o chão se abrir "). Esmiúça não só as diferenças entre os comunistas de olhos puxados e os brasileiros de então, mas entre os chineses pré e pós-Mao. E ainda dá de brinde noventa e nove cartuns excelentes, satirizando da ostensiva propaganda comunista ao destino agrário que eles dão para o cocô humano. 

Quem vê acha que ele ficou lá um ano inteiro. Mas foram apenas 16 dias, sendo mais da metade em Pequim e o restante em Shanghai, Cantão e Hong Kong. A visita de Henfil coincidiu com a queda do Bando dos Quatro - nome dado ao grupo que mandava e desmandava no país, formado pela ex-esposa de Mao, Jiang Qing, e seus asseclas - e a imensa comemoração popular que se seguiu (" Olho pra calçadas e não vejo ninguém assistindo à passeata dos 3 milhões. Ninguém, ninguém. Todos estão na passeata "). 

Obviamente, de 22 anos pra cá muita coisa mudou. O próprio subtítulo do livro - antes da Coca-Cola - já deixa isso explícito. Em 1978, pouco depois de Henfil pôr os pés em solo oriental, a China começou a se abrir para o mundo capitalista, e dá-lhe Ferrari e McDonald's tomando conta, e dinheiro entrando, e obras se levantando. Quando a gente lê no livro: " Apesar de ser uma potência mundial, o aeroporto da capital da China me lembra mais o aeroporto de Natal (onde descem três aviões comerciais por dia) que o Galeão, no Rio. Parece um campus de uma universidade nas férias ", não dá pra não lembrar que, hoje, esse mesmo aeroporto é um dos maiores e mais movimentados do mundo. 

Henfil na China é um registro histórico, uma reportagem competente e um livro divertido, tudo no mesmo pacote. É uma pena seu autor ter nos deixado tão cedo, antes de poder compartilhar sua visão de todo o resto do mundo com a gente. Quem sabe o que ele não teria a dizer sobre este Brasilzão de agora? 

"Henfil na China (antes da Coca-Cola)" 
Henfil, 1980, Editora Record 
Onde encontrar: hoje em dia, só em sebos mesmo. A Estante Virtual é um bom começo.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

04/09/2009

Chinese Bureaucracy

Em um mundo ideal, as pessoas sairiam de um país e entrariam noutro como a gente vai de Beagá pra Juatuba: sem vistos, sem alfândegas, sem burocracias prévias. Mas ainda teremos que conviver com taxas consulares e serviços de imigração por um bom tempo. E se a China não tem aquela chatice do visto norte-americano, com entrevista e atestado de não-valadarense, também não é só chegar com sorriso no rosto e entrar sem pedir licença. 

A intenção aqui é detalhar os procedimentos para tirar passaporte, se inscrever numa escola chinesa e pegar o visto. Se você não tem interesse algum em visitar a China um dia, pode pular este post sem peso na consciência. Mas se essas informações forem úteis pra você de alguma forma, acompanhe comigo: 

Passaporte 

Está muito mais fácil que da última vez que fiz, em 2005. Na época, fiquei a tarde inteira na fila da Polícia Federal, passando fome sob um sol de lascar. Agora, pelo menos em Belo Horizonte, o processo mudou e tudo se resolve rápido. Claro que, para isso, o preço quase dobrou: os antigos R$ 89,71 viraram uma facada de R$ 156,07. 

Passo a passo: 

1. Você entra no site da Polícia Federal e agenda um dia pra ir lá. Eu acessei o site numa terça e marquei pra quinta cedo, pra dar tempo de pagar o boleto que você imprime pelo site. 
2. No dia marcado, leve os documentos: identidade, CPF, título de eleitor, comprovante de votação na última eleição, certificado de reservista do Exército, comprovante de pagamento da taxa e passaporte anterior (se tiver e não levar, o preço sobe para absurdos R$ 312,14). 
3. Não precisa mais de foto 5x7 com data, fundo branco, aquela ladainha. Cada guichê agora tem uma câmera digital no tripé, e o cara já tira sua foto na hora. Tire as remelas do rosto antes de ir. 
4. Também não precisa carimbar o polegar: você coloca os dedos num scanner e as impressões digitais vão direto pro sistema. Assim também é a assinatura: você escreve já numa mesinha digitalizadora. 

O passaporte fica pronto em poucos dias. Fui lá numa quinta, e na segunda já recebi um e-mail dizendo que podia buscá-lo.

Inscrição na BLCU 

Se inscrever na BLCU (Beijing Language and Culture University) , a escola onde vou estudar, é relativamente fácil. O bom é que dá pra escanear os documentos e mandar tudo por e-mail, poupando tempo, dinheiro e encheção de saco. O mais trabalhoso - e dispendioso - é pagar a taxa de inscrição, que custa 600 (cerca de R$ 165). Eu tive a sorte de ter uma amiga do meu pai na China, que fez o pagamento pessoalmente e mandou o recibo escaneado. O único outro jeito é portelegraphic transfer , que custa uma boa grana e eu não sei te explicar como faz. 

Documentos necessários: 

1. Passaporte 
2. Passaporte do seu contato de emergência (no caso, meu pai) 
3. Formulário de admissão preenchido, com foto 3x4 
4. Diploma acadêmico, se tiver (finalmente o meu serviu pra alguma coisa!) 
5. Recibo de pagamento da taxa de inscrição 

Enviei tudo por e-mail no dia 10 de junho. Eles dão um prazo de 2 meses pra responder, mas 19 dias depois já tinha chegado o envelope na minha casa, com carta dizendo que eu fui aprovado, formulário pra encaminhar para o Consulado na hora de pedir o visto e até mapinha da universidade. 

Exames médicos 

Sim: para pisar na China você tem que fazer exames médicos. E se descobrir que é HIV-positivo, melhor escolher outro lugar pra passar as férias - simplesmente não deixam entrar quem é portador do vírus. Mas pra pedir o visto não basta só um exame de sangue. E é melhor que tenha convênio, porque senão é mais uma grana que vai pelo ralo. 

A lista que tive que seguir: 

1. Consulta com uma médica - acho que era clínica geral. Nessa primeira visita, só me passou três pedidos de exames para eu fazer por fora, enquanto ela saía de férias e passeava pelo deserto do Marrocos. 
2. Exame de sífilis e HIV: tirei sangue numa sexta de manhã, peguei o resultado segunda à tarde. Preço: R$ 48. 
3. Raio-X de tórax: fiz numa quinta, peguei na sexta. R$ 84. 
4. Eletrocardiograma: fiz numa quarta, peguei na sexta. R$ 20. 
5. A consulta propriamente dita com a médica. Mediu peso, altura, pressão, pôs estetoscópio no meu peito e costas, fez exame de vista (letrinhas à distância) e de daltonismo (abriu uma página na internet com as famosas bolinhas coloridas e pediu pra identificar os números). Ela cobrou R$ 200 para um exame que qualquer vestibulando de Medicina faria. E pra preencher o formulário em inglês. 

Fora isso, ainda tomei vacina de febre amarela e fui na Anvisa trocar meu cartão pelo certificado internacional. Esse não tem taxa não. 

Visto chinês 

Resolvi tirar o visto através de um despachante depois de notar a boa vontade dos consulados chineses no Brasil. Pra se ter idéia, você liga e diz "Bom dia, quem fala?" e a mulher responde: "Não preciso falar meu nome, não". Por isso, melhor evitar a fatiga e mandar por um intermediário acostumado a fazer aquilo todo dia. 

Documentos necessários (e nada de escanear e mandar por e-mail, todos têm que ser originais): 

1. Passaporte 
2. Formulário que a escola mandou, mais a carta dizendo que eu fui aceito 
3. Formulário médico devidamente preenchido (não precisa anexar raio-X, eletrocardiograma, só o formulário mesmo) 
4. Duas fotos 3x4 
5. Taxa de R$ 210, relativo ao visto de uma entrada 
6. Passagem (não sei se é obrigatório, mas eu já estava com a minha e mandei junto) 

Solicitei o visto com validade pra 6 meses, que é o tempo de duração do meu curso, mas eles só me deram o de 30 dias e recomendaram que eu procurasse o serviço de imigração chinês com a documentação da minha escola pra poder estender o visto. É aquela história: se pode complicar... Pelo menos, veio rápido: em uma semana, o passaporte já tinha voltado às minhas mãos.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

03/09/2009

A China que a gente ouve falar

 

A China permanece uma grande desconhecida para nós. Mesmo com Beijing dia e noite na TV durante as Olimpíadas, notícias aos milhares por toda a internet, feng shui pra cá, tai chi chuan pra lá, nossa tendência é generalizar e enfiar um bilhão de olhos-puxados no mesmo saco. Continuamos com a convicção de que todos os homens têm dentes podres e cara de bolacha, mulheres não têm peito nem bunda e que a única chinesa gostosa é a Chun-Li, mas essa não vale porque é de mentira. Comem de tudo: insetos, ratos, cobras, macaco, praia, jornal - e não passeie com o seu poodle perto deles, porque eles pegam e fritam. Os restaurantes são sujos, os cozinheiros só andam suados e sem camisa, cuspir no prato é regra de etiqueta. Eletroeletrônicos são de péssima qualidade, mas também, de que adianta ter um computador que presta se o governo não permite acessar o Twitter? A população é tão grande que se todos pulassem ao mesmo tempo, a Terra sairia do eixo. E não satisfeitos em terem o país mais cheio do mundo, ainda abrem uma filial em cada grande metrópole e chamam de Chinatown. Chinês é disciplinado. Chinês é submisso. Chinês tem bafo de esgoto. Chinês é sábio e imortal, a julgar pelo Pai Mei e o Lo-Pan dos Aventureiros do Bairro Proibido. Chinês é exagerado: sua Grande Muralha é a única construção humana que dá pra ver da Lua - embora, estranhamente, não seja muito nítida quando a gente dá zoom-out no Google Earth. Chinês começa a trabalhar desde criança, escravizado nas linhas de produção dos tênis Nike. 

Tudo mito? Tudo verdade? Ou uma mistura nem tão radical, nem tão estereotipada, mas ainda exótica e instigante o bastante para ter muito o que falar a respeito? 

Vai ser divertido descobrir. E também vai ser bem curioso desvendar a imagem que eles têm dos brasileiros.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

02/09/2009

Quem é Rei Momo...



Depois de quatro anos sem lançar música inédita, o ABUNN retorna com duas novas canções.

"Festa Junina em Banheiro" é uma ode à celebração da festa de São João nos lugares mais improváveis da casa. A música é minha e a letra é criação da banda toda numa noite de ócio. Não estranhe: ela só tem 34 segundos mesmo.

"Pequena Morsa" narra a história de uma garota rechonchuda que resolveu dar tudo de si para adquirir uma boa forma. A letra é parceria minha com o Daniel de Pinho, que também escreve A Saga de Tião. Fizemos a letra pelo MSN quando ele morava nos Estados Unidos: os versos ímpares são meus e os pares dele, exceto na última estrofe, quando invertemos.

Formação da banda nesta gravação: Lucas Paio (voz, guitarra e teclado), Bruno Paio (baixo), Gustavo Gomes (guitarra solo) e Adriano Domeniconi (bateria).

Onde ouvir? No nosso MySpace. Lá também você escuta "Que Pena", "Opesdol", "A Song With No Name" e "Capitão Garrancho", todas da safra 2004/2005.

01/09/2009

Prólogo

 

Vou morar na China. 

É engraçado ver a reação das pessoas quando eu solto essa frase. Não variam muito. Geralmente é um "nossa, que legal", ou um "puxa, que coragem", não raro um incrédulo "ah, cê tá de brincadeira". Seja qual for a primeira frase, a segunda é sempre uma pergunta: por que China? 

A China surgiu na minha vida há pouco tempo. Nunca fui um grande entusiasta da cultura oriental. Nunca foi meu grande sonho morar na Ásia. Meu contato com a China se resumia ao arroz chop-suey, os filmes de luta que desdenhavam as leis da física e o Spinning Bird Kick da Chun-Li. A primeira vez que tive mais contato com chineses de raiz, quando fiquei hospedado no meio da Chinatown de Sydney , eu tinha era uma certa preguiça desse povo todo, sempre andando em bando e falando sua língua esquisita. 

Mas o bom da vida é poder mudar de opinião. E quando meu pai, que foi a Beijing recentemente e elogiou pacas, me propôs passar uns tempos no país, resolvi domar os preconceitos e tomar a decisão com mais embasamento do que um mero "ouvi falar". E não foi difícil topar com blogs e fóruns cheios de brasileiros que se aventuraram no país mais populoso do mundo e tiveram experiências um tanto positivas. Gente que foi pra ficar 6 meses e está lá há dois, três anos. Enquanto amigos meus foram morar em países mais "tradicionais", como Estados Unidos e Inglaterra, e não quiseram esticar a estadia nem a porrete. A pergunta, na verdade, deveria ser outra: por que não China? 

Ainda que mais globalizada e ocidentalizada nestas últimas décadas do que em toda sua história milenar, a China continua diferente de tudo o que a gente vê por essas bandas. Mesmo que vendam Big Mac e Fanta Uva, também comem cigarras e ovos enterrados na terra. Mesmo que o inglês seja arranhado aqui e ali, principalmente nos circuitos turísticos, é o mandarim que todos falam e escrevem, com seus sons, tons e caracteres complicados. A China soa muito mais interessante e desafiadora do que mudar para Miami e conviver com os mesmos brasileiros, comer a mesma comida, sofrer o mesmo dia-a-dia. Se as roubadas são inevitáveis em qualquer experiência do tipo, que sejam roubadas novas. 

A princípio, vou para estudar. Curso de um semestre na BLCU, sigla para Beijing Language and Culture University. Serão 4 horas de aula de mandarim todas as manhãs, sobrando tempo à tarde para procurar trabalho e desbravar a cidade. Minha casa será a própria BLCU, num quarto próprio com banheiro e todas as vantagens de um campus de verdade - restaurante, piscina, quadra de tênis e badminton, mesas de ping-pong - que não tive na minha faculdade daqui, mais parecida com um colegião. O curso termina no fim de janeiro. Depois disso, sabe-se lá. 

Inicialmente eu pretendia publicar minhas anotações sobre a temporada chinesa no Biselho, blog que mantenho desde 2004 e onde deposito contos, crônicas, vídeos, relatos de viagens. Mas achei que a China merecia um espaço à parte. Por isso criei o Boca de Gafanhoto. O nome veio de uma frase da minha avó, quando soube que eu ia pra lá: "Se você voltar da China e me der beijo com boca de gafanhoto, eu te mato!". 

Nem preciso dizer qual será o primeiro espetinho que vou experimentar.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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